sábado, 14 de maio de 2011

Quando entrou no ônibus e a viu sentada, soube que ela tinha algo especial. Haviam muitos lugares e bancos vagos, mas decidiu sentar-se com aquela mulher e jurou para si mesmo que conseguiria seu telefone.
Sentou-se ao seu lado, observou-a um pouco melhor. Pode notar que suas unhas estavam pintadas de vermelho e que usava um perfume doce. Ela continuou focada no livro que estava lendo, mas ele pode notar certa inquietação na moça, provavelmente por causa da atitude dele.
Ele pensou no que iria dizer, mas enquanto não conseguia escolher as palavras certas, sentia medo que ela descesse na próxima parada. Sabia que era um assunto bobo, comum e de pessoas com pouca intimidade, mas decidiu perguntar sobre o tempo, só para ouvi-la falar algo.
- Será que chove? – sentiu-se envergonhado, e ao mesmo tempo temia de que aquela interrupção da leitura fosse interpretada como uma atitude sem educação.
Ela fitou-o um pouco atordoada com a pergunta, mas logo respondeu:
- Talvez. Depende em qual sentido você perguntou. As coisas são relativas.
A resposta o surpreendeu e lhe deu mais certeza de que aquela garota era diferente, e ele queria conhecê-la. Ela voltou a olhar para o livro, embora ele desconfiasse que ela já não estava lendo, apenas queria evitar contato.
Ele espiou o livro e tentou ler o que estava escrito.
- Você gosta de poesias? – a pergunta saiu sem ele ter pensado em elaborá-la. Saiu carregada com o medo de perder aquela oportunidade.
- Eu gosto, mas porque você está fazendo tantas perguntas?
- Não foram tantas, foram apenas duas.
Ficaram um momento em silêncio. Foi ele quem ousou falar novamente.
- Me desculpe, mas não sei sobre o que falar com você.
- Então não fale.
- Mas é que quero conversar com você.
- Infelizmente minha mãe me ensinou a não falar com estranhos.
- Henrique, muito prazer.
- Não vou lhe falar o meu nome.
- Por que não?
- Porque você parece estranho, pode ser um fora-da-lei, um seqüestrador, sei lá.
- Eu não sou nada disso.
- Mesmo assim, me dê um motivo para lhe falar meu nome.
- Pra eu saber se combina com meu sobrenome.
- E o que tem isso haver?
- É porque um dia você pode vir a ser minha esposa, se tudo der certo.
- Tudo o que? Meu Deus, você deve ser um psicopata.
- Não sou um psicopata, apenas estou encantado.
- Pelo o que?
- Por você.
- Então trate de se desencantar.
- Em qual parada você vai descer?
- Na próxima se você não parar com isso.
- É só me falar seu nome.
- Só isso?
- E depois seu telefone.
- Meu nome é Bianca. Mas o meu número eu não vou passar.
- Porque não?
- Porque não sei se quero que você me ligue.
- Isso já significa alguma coisa. Se você não sabe, pelo menos não tem a certeza de que não quer.
- Você interpreta muito bem o que as pessoas dizem.
- Na verdade não, acho que isso só acontece com você.
- Não estou acreditando em uma só palavra desse seu romantismo tolo.
- Porque não?
- Porque você acabou de me conhecer. Não pode sair falando coisas assim pra uma semi-desconhecida.
- Mas eu sinto como se já conhecesse você.
- Eu já li essa frase, tente ser mais original.
- Se você me dar o seu telefone e marcarmos um encontro prometo ser mais original.
- Você é louco não é?
- Talvez. Depende em qual sentido você perguntou. As coisas são relativas
Ele havia usado a mesma arma que ela, as mesmas palavras. Os dois ficaram quietos por um pequeno período de tempo. Ela continuava lendo o seu livro e fazendo algumas anotações, enquanto ele não percebia nada ao seu redor. Estava perdido em seu próprio pensamento, elaborando sonhos e planos que envolviam a desconhecida ao seu lado. Seus devaneios foram interrompidos quando ela começou a se levantar para andar em direção a porta de saída do ônibus.
- Preciso ir, chegou na minha parada.
- Não vai me passar o seu número?
- Já decidi isso.
- Tente mudar de idéia, logo você vai descer.
- Não sei, talvez eu espere uma cena de cinema, onde você desce correndo atrás de mim para que a gente nunca mais se perca um do outro.
- Você está cada vez mais romântica. Poderia fazer isso se você quisesse.
- Não quero, já fiz minha escolha e tenho que ir.
Ele disse adeus baixinho, sentindo seu coração apertar.
- Até mais Henrique.
Ficou cabisbaixo durante mais algum tempo, até que pode notar um estranho volume ao seu lado. Era o livro dela que estava lá. Apertou-o forte contra o peito, como se fosse ela própria que estava ali, entre seus braços, no meio daquele abraço cheio de mistério e encanto. Abriu nas primeiras páginas. Viu um poema com palavras destacadas.

Quando encontrar o amor de sua vida,
Você não vai saber disso,
Nem daquilo,
E nada mais sobre nada.

Ele pode aparecer em um dia estranho,
Perguntar-te sobre o tempo,
Depois seu nome,
E talvez até o número do seu telefone.

Nada de especial irá acontecer,
Mas vocês saberão.
Assim como dois mais dois são quatro,
É só ouvir o coração.


9979-999*
Quando descobrir o último número, me ligue, eu estarei esperando.
Beijos, Flávia.

Ela havia mentido seu nome, havia bancado a durona, mas assim que terminou de ler ele soube. Soube que assim como ele, ela também conseguirá ouvir seu coração.

Elis C.

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