Tati Bernardi.
sexta-feira, 29 de julho de 2011
Não tenha medo da quantidade absurda de carinho que eu quero te fazer. E de eu ser assim e falar tudo na lata. E de eu não fazer charme quando simplesmente não tem como fazer. E de eu te beijar como se a gente tivesse acabado de descobrir o beijo. E de eu ter ido dormir com dor na alma o final de semana inteiro por não saber o quanto posso te tocar. Não tenha medo de eu ser assim tão agora. E desse meu agora ser do tamanho do mundo.”
Tati Bernardi.
Tati Bernardi.
Ele não sabe da missa um terço. E eu não faço a menor idéia se ele gostaria de comer pipoca num domingo à noite, ou assistir a lua. O que eu sei é que, depois de desabrochar em mim o meu melhor e congelar este sorriso tonto na minha boca, ele poderia bater a porta cem vezes na minha cara, eu bateria nela cento e uma chamando pelo seu nome.
Camila Heloíse
Tenho olhos translúcidos. Neles, toda a minha euforia e fracasso, descobertos. Tenho mãos macias que escondem a aspereza do trajeto com hidratantes em excesso. Tenho peito carregado de uma gripe sem remédio, puro tédio de quem quer voar aonde todos só rastejam. Meu corpo é pequeno e pareço pedra do meu próprio caminho. Mas tenho dentes afiados e um sonho fincado aqui no peito, dormindo. Sou teimosa, insistente, flamejante. Não tenho dom algum, só esperança. Uma crença dormente em anjos e outras criaturas Divinas. E agora tenho um peito descoberto, braços bem abertos a procura do infinito.
Camila Heloíse

Eu olhava para as pessoas com olhos de auto-piedade que diziam em todas as línguas ‘ei, não desista de mim’. E quando notava que havia ultrapassado todos os limites e estava sendo ridícula, vestia um sorriso cavalo que mostrava todos os dentes e era mais falso que nota de três. Até entender que eu veria as costas do mundo inteiro, e assistiria despedidas vinte e quatro horas por dia, ficando apenas com a sensação de que alguém esteve aqui minutos antes de eu chegar, enquanto não aprendesse a amar a minha baixa estatura, a pouca visão e minhas tatuagens. Afinal de contas, existia um colorido natural e convidativo alojado em meu peito, que eu só não sabia como usar. E depois de um tempo costurando sobras das minhas tentativas, entendi que bastava desabotoar as malhas que me escondiam por dentro.
Camila Heloíse
' Que a felicidade, ainda que breve, possa ser bem desfrutada. E que as perguntas fiquem pra depois e não tenham tanta importância. Que o motivo para se estar feliz tenha o direito de ser banal. Tenha o direito de fazer chorar de rir e quando parar, começar de novo sem qualquer porquê. Que possamos fazer da gentileza uma característica mundial.Que seja nobre ser simples. Que possamos continuar errando e descobrindo como acertar na próxima. Que nossos desejos sejam livres. Que o choro ocupe menos tempo da nossa vida, molhe bem menos os nossos olhos, sufoque bem menos a nossa alma. Que o dia seguinte seja sempre um presente bonitinho embrulhado num papel convidativo. E que aqueles que não conseguem participar destas esperanças, aprendam.
"Não era qualquer coisa que iria endireitar meu espírito. Nem qualquer sacanagem que me encantaria. Ou qualquer meio beijo que me faria ficar. Eu precisava de outras coisas pra topar fechar os olhos e pular no abismo de alguém.
Precisava de céu que significasse mais do que um azul infinito, precisava entender porque eu queria tanto ver o mar. E precisava de alguém que não quisesse fazer meu coração em picadinhos pra caber no próprio peito, e aceitasse ele inteiro, gigante."
(Camila Heloíse)
Precisava de céu que significasse mais do que um azul infinito, precisava entender porque eu queria tanto ver o mar. E precisava de alguém que não quisesse fazer meu coração em picadinhos pra caber no próprio peito, e aceitasse ele inteiro, gigante."
(Camila Heloíse)
"Então fico ainda mais confuso, porque também não sei se tudo isso não teria sido nem sonho, nem imaginação ou delírio, mas outra viagem chamada desejo."
"Não se engane comigo, é na bagunça que eu me arrumo."
"À tardinha não tinha a quem recorrer e precisava controlar a vontade de dizer para qualquer alguém, olha, venci mais um."
Tudo do Caio!
quarta-feira, 27 de julho de 2011
Ao Tempo Perdido
Onde você foi parar? Como que você some assim, de repente, sem avisar? Por onde você escapou, que eu não vi? Contava com a sua presença para fazer algumas coisas, que adoro, mas para as quais não me sobra mais nem um minuto.Dizem que o tempo perdido não volta jamais, no entanto custo a acreditar que você seria capaz de me largar dessa maneira depois de tudo que vivemos. Será verdade que o tempo é cruel? Terão sido em vão os lindos momentos que desperdiçamos juntos? As horas e horas pensando besteiras, com minhas intermináveis elucubrações?É, quando se é jovem, o tempo que se perde não faz tanta falta. Você passava e eu nem ligava. Agora, corro atrás de cada instante que, um dia, joguei fora sem dar a devida atenção.Querido tempo, queria muito que você voltasse. Poderíamos ir a um cinema, jantar fora, passear à toa pelas calçadas. Com o tempo ao seu lado, a vida definitivamente fica mais fácil.Sei que você não pára, que também está sempre na correria, como eu, contudo não perco a esperança de ainda ter você inteiro, só para mim. Vejo, no espelho, as marcas que você me deixou, e muitas outras delas quero ter antes de a morte chegar.O que posso prometer para que você retorne? Que eu vou aproveitar você melhor? Que vou dar mais valor às suas sábias lições? Que não te perderei mais por bobagens?Ajoelho-me diante de você, inestimável tempo, e juro: nunca mais vou vacilar contigo, pois sei que todos te querem e desejam. As mulheres mais lindas e os homens mais ricos perseguem você por todos os lugares, oferecendo de tudo para ter mais um pouco de sua companhia.Tudo gira em torno de você, tempo, eu sei. Poetas te cantam, gênios te estudam, líderes te seguem. E eu continuaria dias e dias tecendo as mais belas considerações a teu respeito, mas temo que estaria perdendo ainda mais de você fazendo isso.Devo, entretanto, avisar que não pretendo te esquecer nem deixar você em paz. Pode correr, pode fugir, que vou em busca de você, onde estiver. Cancelarei compromissos, emendarei feriados, mas tenho certeza de que te encontrarei de novo. Nem que seja por um só segundo. Quem sabe, então, quando estivermos frente a frente, verei que você não se foi em vão, que foi porque tinha mesmo de ir, passando em silêncio como o tempo deve passar.E que, na sua falta, não o terei perdido, porém eternizado.Saudades, Fernanda.
(Fernanda Young)
terça-feira, 26 de julho de 2011
segunda-feira, 25 de julho de 2011
Aviso prévio.

Entrei na sala escura e pequena. Senti uma claustrofobia enorme. Abre aí uma janela, liga o ar, qualquer coisa. Não, tinha que ser jogo rápido. Diga logo ao que veio que eu tenho mais o que fazer. Eu vim pedir demissão. Disse. Já me arrependendo. Mas preferindo isso do que ser demitida por incompatibilidade ao cargo. Ele me olhou, olhou, olhou de novo. Por cima dos óculos. Então você quer se demitir do amor? Isso mesmo, querido chefe coração. Eu quero desaparecer daqui. Quero que você se exploda. Veja bem. Um dia lindo lá fora. Quinhentas coisas pra fazer. E eu presa aqui o tempo todo. Nessa salinha mofada. Trabalhando vinte e cinco horas por dia sem dormir, sem ver a luz do dia e sem ganhar nada por isso. Vivo exausta e abatida. Chega. Isso é trabalho escravo. Você me deve férias há anos. Você sempre me garante que agora, agora finalmente é a minha vez. Vou crescer na empresa. Vou me dar bem. Vou ter aumento. Mas nunca é a minha vez. Vou morrer estagiária se continuar aqui. Sempre que estou saindo pra almoçar, você aparece em minha mesa e me dá papeladas e mais papeladas de angústias e ciúmes. E mais uma vez deixo de comer pra cuidar de você. Sempre que estou saindo pra me divertir um pouco, esquecer o dia desgastante, esquecer que você me suga, esquecer que bato cartão diariamente numa empresa que jamais me valoriza, você aparece e me dá papeladas e mais papeladas de saudades e fidelidades. E nisso os dias passam e não saio do mesmo lugar. Mas olha. Está um dia tão bonito lá fora. E são tantos outros empregos que posso arrumar. Minha bunda, por exemplo, tá precisando de um reforço já faz tempo mas eu nunca apareço. Ela está quase falida. Meu cérebro, coitado, já desistiu de me oferecer mais dinheiro pra me levar daqui. Eu sempre acabo ficando. Escrava sua. Seu explorador desgraçado. Eu quero a demissão agora. Quero viajar com carro conversível e cantar. Quero trepar com alguém que você não goste sem ser bipada por você na hora H. Sem ter que voltar correndo pra fazer suas vontades imperantes. Já que não tem final de semana, madrugada ou Carnaval, esse é o jeito. Demissão. Desisto. Me demito. O quê? Aviso prévio. Quem disse? É lei. Tá bom. Aviso prévio. Mas eu te juro, só mais uma semana. Aproveita bem que está acabando. E se você for esperto, metade do que bota banca que é, me contrata antes de me perder pra sempre.
TatiB.
O gigante
Ontem eu ensaquei o Lorenzo, nosso filho que você me deu em uma das nossas milhares de brigas sem fim e sem jeito. Ele me olhou triste, passivo e impotente, assim como eu também olhei para ele e assim como tenho olhado para o mundo.
Dei um abraço forte no nosso urso cinza e chorei que nem uma criancinha de cinco anos que sofre porque está com rinite alérgica e tem que tirar os brinquedos de pelúcia do quarto. A realidade acabando com a brincadeira mais uma vez.
Depois foi a vez das fotos, eu beijei uma por uma e guardei numa caixa, coloquei a caixa num canto escondido e alto do armário, no mesmo canto escuro e esquecido por onde anda meu coração.
Olhei meu lindo vestido novo e pensei o quanto ele era feio porque eu nunca o colocaria para você. Olhei meus sapatos novos e pensei como seria triste usá-los sem nem saber direito para onde ir. Olhei minha velha cara no espelho e tive muita pena do quanto aquele rosto ainda ia esbugalhar os olhos para o teto lembrando que você disse que nunca desistiria.
Vira e mexe tenho essa vontade de cortar alguma parte do meu corpo, para ver se esguicho pra longe esse sangue contaminado que incha meu corpo de dor e me emagrece de vida. Tenho vontade de me fazer feridas porque parece mais fácil cuidar de um machucado externo e curável.
Outro dia desses eu estava numa padaria com um amigo e ele me perguntou se eu queria um chaveirinho de ursinho, eu disse a ele que só queria morrer, se ele poderia me fazer esse favor. Coitado, ele nunca mais ligou. Ainda bem, só você podia me dar chaveirinhos de ursinho, quem esse cara pensa que é?
Outro dia desses eu estava num bar com um amigo e ele começou a falar de todos os filmes, livros e músicas que eu tanto queria que você falasse. No final da noite eu só queria estar ouvindo aquela merda daquele cd do Alpha Blond, esses intelectuais de merda não chegam aos pés do seu sorriso e nunca vão ter de mim esse amor tão puro, tão absurdo e tão sem fim que eu tinha por você.
A fidelidade não é uma escolha e nem um sacrifício, ela é uma verdade. Por mais que eu tente, só sinto nojo. A gente não se fala mais, eu nem sei mais por onde você anda, eu até tenho o impulso de tentar de novo com outros homens, mas eu só sinto nojo.
A Lolita vive cheirando por baixo da porta e olhando triste para o interfone, outro dia minha mãe perguntou notícias suas e quando ela ouviu seu nome, enfiou a cabeça no meio das patas e só ficou triste, ela se parece comigo mesmo. Depois do passeio na Liberdade com meu amigo tem um encontro da mulherada no café alí do Itaim. Depois tem cinema com outra amiga e depois, se eu estiver a fim, uma baladinha na casa de outra. Eu tenho um milhão de motivos pra fugir de pensar em você, mas em todos esses lugares você vai comigo. Você segura na minha mão na hora de atravessar a rua, você me olha triste quando eu olho para o celular pela milésima vez, você sente orgulho de mim quando eu solto uma gargalhada e você vira o rosto se algum homem vem falar comigo. Você prefere não ver, mas eu vejo você o tempo todo. Eu torço pra não fazer Sol, eu torço pra não chover, eu torço para acordar no meio do dia, eu torço para o dia acabar logo. Eu torço para ter alguma coisa que me faça torcer, que me diga que eu ainda sei torcer por algo mesmo sem torcer pela gente.
Minha dança é queda equilibrada, minhas roupas novas são fantasias, meu sorriso é espasmo de dor, minha caminhada reta é um círculo que sempre me traz até aqui, meu sono é cansaço de realidade, minha maquiagem é exagerada, meu silêncio é o grito mais alto que alguém já deu, minhas noites são clarões horríveis que me arregaçam o peito e nada pode me embalar e aquecer, o frio é interno, o incômodo é interno, nenhum lugar do mundo me conforta. Minha fome é sobrevivência, minha vontade é mecânica, minha beleza é esforço, meu brilho é choro, meus dias são pontes para os dias de verdade que virão quando essa dor acabar, meus segundos são sentidos em milésimos de segundos, o tempo simplesmente não passa.
Às vezes tento não ser eu, porque se eu não for eu, eu não sentirei essa dor. Mas o amor é tanto que até as outras todas que eu posso ser também o sentem. Hoje menos que ontem, amanhã menos que hoje, e por aí vai.
Vou implodir esse gigante dentro de mim e soltar seu pó a cada manhã sem fome que faz doer o corpo todo, a cada banho sem intenção, a cada tarde sem recompensas, a cada noite sem magia, a cada madrugada sem paz.
Um dia o gigante vai cair morto igual ao King Kong e chega dessa dor, dessa incerteza, desse silêncio, dos dias se arrastando, do ódio, das imagens doentias na minha cabeça, da saudade espada que furou meu centro e aumenta o diâmentro a cada movimento.
Só vai sobrar uma tristeza eterna em saber, como todos que já viram esse filme sabem, que o rei da selva, o dono do pedaço, o forte, o poderoso, o assustador, o monstro inabalável que bate no peito e destrói qualquer um, só queria ser amado pela frágil mocinha.
Daqui de longe, enquanto escrevo esse texto chorando mais do que cabe no meu rosto, ouvindo pela milésima vez a música do Damien Rice e sem vontade nenhuma de ter vontade nenhuma, eu escuto seu riso alto, exagerado e constante. E eu só consigo ter mais pena de você do que de mim.
Tati Bernardi .
Dei um abraço forte no nosso urso cinza e chorei que nem uma criancinha de cinco anos que sofre porque está com rinite alérgica e tem que tirar os brinquedos de pelúcia do quarto. A realidade acabando com a brincadeira mais uma vez.
Depois foi a vez das fotos, eu beijei uma por uma e guardei numa caixa, coloquei a caixa num canto escondido e alto do armário, no mesmo canto escuro e esquecido por onde anda meu coração.
Olhei meu lindo vestido novo e pensei o quanto ele era feio porque eu nunca o colocaria para você. Olhei meus sapatos novos e pensei como seria triste usá-los sem nem saber direito para onde ir. Olhei minha velha cara no espelho e tive muita pena do quanto aquele rosto ainda ia esbugalhar os olhos para o teto lembrando que você disse que nunca desistiria.
Vira e mexe tenho essa vontade de cortar alguma parte do meu corpo, para ver se esguicho pra longe esse sangue contaminado que incha meu corpo de dor e me emagrece de vida. Tenho vontade de me fazer feridas porque parece mais fácil cuidar de um machucado externo e curável.
Outro dia desses eu estava numa padaria com um amigo e ele me perguntou se eu queria um chaveirinho de ursinho, eu disse a ele que só queria morrer, se ele poderia me fazer esse favor. Coitado, ele nunca mais ligou. Ainda bem, só você podia me dar chaveirinhos de ursinho, quem esse cara pensa que é?
Outro dia desses eu estava num bar com um amigo e ele começou a falar de todos os filmes, livros e músicas que eu tanto queria que você falasse. No final da noite eu só queria estar ouvindo aquela merda daquele cd do Alpha Blond, esses intelectuais de merda não chegam aos pés do seu sorriso e nunca vão ter de mim esse amor tão puro, tão absurdo e tão sem fim que eu tinha por você.
A fidelidade não é uma escolha e nem um sacrifício, ela é uma verdade. Por mais que eu tente, só sinto nojo. A gente não se fala mais, eu nem sei mais por onde você anda, eu até tenho o impulso de tentar de novo com outros homens, mas eu só sinto nojo.
A Lolita vive cheirando por baixo da porta e olhando triste para o interfone, outro dia minha mãe perguntou notícias suas e quando ela ouviu seu nome, enfiou a cabeça no meio das patas e só ficou triste, ela se parece comigo mesmo. Depois do passeio na Liberdade com meu amigo tem um encontro da mulherada no café alí do Itaim. Depois tem cinema com outra amiga e depois, se eu estiver a fim, uma baladinha na casa de outra. Eu tenho um milhão de motivos pra fugir de pensar em você, mas em todos esses lugares você vai comigo. Você segura na minha mão na hora de atravessar a rua, você me olha triste quando eu olho para o celular pela milésima vez, você sente orgulho de mim quando eu solto uma gargalhada e você vira o rosto se algum homem vem falar comigo. Você prefere não ver, mas eu vejo você o tempo todo. Eu torço pra não fazer Sol, eu torço pra não chover, eu torço para acordar no meio do dia, eu torço para o dia acabar logo. Eu torço para ter alguma coisa que me faça torcer, que me diga que eu ainda sei torcer por algo mesmo sem torcer pela gente.
Minha dança é queda equilibrada, minhas roupas novas são fantasias, meu sorriso é espasmo de dor, minha caminhada reta é um círculo que sempre me traz até aqui, meu sono é cansaço de realidade, minha maquiagem é exagerada, meu silêncio é o grito mais alto que alguém já deu, minhas noites são clarões horríveis que me arregaçam o peito e nada pode me embalar e aquecer, o frio é interno, o incômodo é interno, nenhum lugar do mundo me conforta. Minha fome é sobrevivência, minha vontade é mecânica, minha beleza é esforço, meu brilho é choro, meus dias são pontes para os dias de verdade que virão quando essa dor acabar, meus segundos são sentidos em milésimos de segundos, o tempo simplesmente não passa.
Às vezes tento não ser eu, porque se eu não for eu, eu não sentirei essa dor. Mas o amor é tanto que até as outras todas que eu posso ser também o sentem. Hoje menos que ontem, amanhã menos que hoje, e por aí vai.
Vou implodir esse gigante dentro de mim e soltar seu pó a cada manhã sem fome que faz doer o corpo todo, a cada banho sem intenção, a cada tarde sem recompensas, a cada noite sem magia, a cada madrugada sem paz.
Um dia o gigante vai cair morto igual ao King Kong e chega dessa dor, dessa incerteza, desse silêncio, dos dias se arrastando, do ódio, das imagens doentias na minha cabeça, da saudade espada que furou meu centro e aumenta o diâmentro a cada movimento.
Só vai sobrar uma tristeza eterna em saber, como todos que já viram esse filme sabem, que o rei da selva, o dono do pedaço, o forte, o poderoso, o assustador, o monstro inabalável que bate no peito e destrói qualquer um, só queria ser amado pela frágil mocinha.
Daqui de longe, enquanto escrevo esse texto chorando mais do que cabe no meu rosto, ouvindo pela milésima vez a música do Damien Rice e sem vontade nenhuma de ter vontade nenhuma, eu escuto seu riso alto, exagerado e constante. E eu só consigo ter mais pena de você do que de mim.
Tati Bernardi .
Entre aspas: para não sentir dor.

Para não sofrer eu vou me drogar de outros, eu vou me entupir de elogios, eu vou cheirar outras intenções. Vou encher minha cara de máscaras para não ser meu lado romântico que tanto precisa de um espaço para existir ridiculamente.
Não vou permitir ser ridícula, nem uma lágrima sequer, nem um segundo de olhar perdido no horizonte, nem uma nota triste no meu ouvido. Eu sei o quanto vai ser cansativo correr da dor, o quanto vai ser falso ignorar ela sentada no meu peito. Mas vou correr até minha última esquina. Vou burlar cada desesperada súplica do meu coração para que eu pare e sofra um pouquinho, um pouquinho que seja para passar.
Suor frio da corrida, sempre com sorriso duro no rosto e o medo de não ser nada daquilo que você me fez sentir que eu era. Muita maquiagem para esconder os buracos de solidão. Muita roupa bonita para esconder a falta de leveza e de certeza do meu caminho.
E por que vendo tanto meu corpo e tão pouco minha alma? Porque quero ver você comprando o que realmente quer e não enganando querer para levar a promoção.
Cansei das promessas de compra e das devoluções gastas do meu corpo. Cansei de expor minha alma se no fim tudo acaba mesmo. Então tá aqui ó: peitinhos, coxas, barriga e o buraco que você tanto quer.
Leve de uma vez e me engane por alguns dias. Você é igual a todos os outros e todos os outros são: lixo. O amor não existe, e, se existe, não dura pra sempre. E, se não dura pra sempre, não é amor. E nada dura pra sempre. E então o amor não existe.
Estou amarga com simplicidade, e isso é relaxante já que vivo cheia de complicações. A amargura é muito mais simples que a esperança. Estou triste do tamanho do buraco sem vida que você deixou em mim, uma concavidade sonhadora que ainda pulsa um desejo que ao mesmo tempo enoja.
Ainda sinto você aqui dentro e toda a energia boa de vida que esta lembrança poderia gerar em mim, mas essa energia sem escape, sem válvula, sem história, essa energia inocentemente transformada em ódio, só carrega ondas que me corroem por dentro.
Mas para não sentir dor eu vou jurar ao último ouvido do meu universo o quanto você é descartável. O quanto sua molecagem não permitiu nenhuma admiração de minha parte.
Para não sofrer não vou permitir minha cabeça no travesseiro antes do cansaço profundo e sem cérebro. Não vou permitir admirar coisas da natureza porque talvez eu me lembre de você ao ver algo bonito.
Para não sofrer não vou permitir minha cabeça no travesseiro antes do cansaço profundo e sem cérebro. Não vou permitir admirar coisas da natureza porque talvez eu me lembre de você ao ver algo bonito.
Não vou permitir silêncios porque é aí que o meu fundo transborda e a tristeza pode me tomar sem saída. Eu vou continuar deixando a minha cabeça me martelar porque toda essa confusão é ainda menos assustadora do que a calmaria da verdade.
A verdade é a frieza do mundo, é a podridão dos desejos, são as mentiras que a gente inventa para os outros e acaba acreditando. A verdade é que mais cedo ou mais tarde você será traído, porque todo mundo tem medo de viver a entrega. A verdade é que ninguém se entrega porque ninguém se tem. A verdade é que não estamos aqui, estamos em algum lugar seguro vivendo nossas vidas medíocres. A verdade é que todo esse perfume é vergonha de nossa essência, todas essas marcas são vergonha do nosso corpo, todo esse charme despretensioso é vergonha de nossas fraquezas. A verdade é que nada é inteiro porque até o inteiro para ser todo precisa ter seu lado vazio. A verdade é que não dá para fugir da dor, e eu continuo correndo, correndo, correndo e não saindo do mesmo lugar.
Tati Bernardi
O dia em que o mar me levou uma ilusão.
Tem dor que é exibida, dói com tanto estardalhaço que parece arrastar tudo o que encontra pelo caminho para doer com ela. Tem dor discreta, afeita à pouca luz, que fere com calma, cresce sem fazer ruído, e nos surpreende quando resolve nos contar que está lá. Tem dor que se camufla e se mistura tão perfeitamente às folhagens de algumas emoções, que ao sermos golpeados não conseguimos discernir a origem do ataque. Tem dor antiga que, ao longo da vida, muda de tom, em dégradé, mas sempre arruma uma maneira de doer. Tem dor recém-chegada, as malas ainda no chão, que a gente não sabe sequer o nome que tem. Tem dor de tudo o que é jeito na alma.
Aquela era uma dor velha conhecida minha. Dessas dores que a gente sabe mais ou menos quantos anos têm, do que gostam de se alimentar, o que costumam vestir. Dessas dores quase sem surpresa, a mesma lengalenga, a mesma maneira de incomodar. Era uma dor da qual eu reconhecia o cheiro quando se aproximava, o barulho dos passos, a atmosfera que lhe antecipava a chegada. Uma dor que, frente a frente, olhos no olhos, eu perguntava já sem rodeio: "você, de novo?" De novo. Ainda, de novo. Ainda é um tempo que às vezes parece que não vai passar nunca mais. Tem vez que a gente gosta. Tem vez que não. O que eu não sabia a respeito daquela dor era porque latejava tanto. O que, de fato, abriu a ferida que ela sinalizava existir. Que ferida era aquela que se estendia, em ondas cada vez maiores, para tantas áreas de mim.
Praia de Ipanema, o domingo ainda fresquinho, recém-saído do forno que prepara os dias. Era azul, mas, de repente, quando eu percebi, o sol havia se escondido por trás de nuvens grávidas de chuva, numa dança sincrônica com o que acontecia no meu coração. Sim, ela estava lá, de novo, a tal dor. Daquela vez, surpreendente. Não lhe ouvi os passos, não lhe senti o cheiro, tampouco o meu ouvido reconheceu a mensagem que veio me dizer, ao se aproximar. À beira-mar, meus pés fortemente aterrados na areia, veio o insight. Em segundos, vi o sentimento que me acompanhou durante tanto tempo passar pela minha mente numa velocidade que não permite imagem. Um tempo outro onde não cabem palavras, apenas a substância que as antecede. Repentinamente, fui inundada por um entendimento que só acontece quando é possível sentir. Uma revelação.
A vivência de algumas dores se assemelha à circunstância de estarmos presos num ambiente completamente escuro e desconhecido, onde precisamos tatear para tentar caminhar dentro dele, descobrir o que abriga, encontrar o interruptor. Várias suposições, alguns equívocos de percepção, nenhuma certeza. Há momentos nessa busca em que nos sentimos desesperançados, a impressão de que mesmo as nossas tentativas mais corajosas não são capazes de nos ajudar a sair daquele lugar. Até que chega o instante em que conseguimos acender a luz que engole toda a escuridão. Podemos ver claramente o que estava ali o tempo todo. Temos, enfim, a oportunidade de sair de lá. Foi o que aconteceu comigo naquela manhã. Eu vi o que abriu a ferida e entendi porque aquela dor latejava tanto.
Ainda à beira-mar, os olhos na direção do horizonte, mas pousados em algo que somente eu podia ver, senti que, naquele instante, o meu coração me pedia apenas para eu desistir. Desistir da ilusão a qual eu me apegava, embora já lhe conhecesse a fragilidade. Desistir da expectativa sempre acompanhada da frustração que ela envolvia. Desistir de tentar entupir aquele espaço vazio com tantas coisas incapazes de preenchê-lo. Desistir de manter aberta aquela ferida até que pudesse ser curada pelo remédio que, por tanto tempo, elegi ser o único capaz de curá-la. Não, aquele remédio que aguardei que viesse não viria mais. Não viria nunca. A possibilidade disponível de cura viria somente da minha aceitação. Do meu desapego. Do meu autopreenchimento. Naquele instante, aceitei o pedido: eu escolhi desistir. Escolhi sair daquela dor. Ainda não sabia exatamente como fazê-lo. Mas estava confiante de que, de alguma forma, eu aprenderia.
O mar já havia me levado vários anéis, mas foi a primeira vez que o mar me levou uma ilusão. A ferida, eu sabia, demoraria um pouquinho para cicatrizar, como acontece com todas elas, as do corpo e as da alma, mesmo quando param de doer. Naquele dia, entre tantas emoções, experimentei uma terna gratidão pela perspectiva de cura e pela capacidade que a vida tem de se renovar, mesmo quando passa um bocado de tempo doendo. Para minha surpresa, um pouco mais tarde, depois de uma chuva fina, o sol voltou a brilhar lá no céu. Eu sentia que o meu sol também voltaria a aparecer, embora fosse provável que ainda demorasse algumas nuvens.
Ana Jácomo
domingo, 24 de julho de 2011
Meu namorado Doctor House
Eu decidi que tô namorando o doutor Greg House, aquele com cara de “adoro sexo mas sou arrogante demais pra fazê-lo” que passa todo dia as oito da noite no canal 43. Menos as sextas. E sábados. E domingos. Como todo péssimo namorado, ele tem mais o que fazer da vida nesses dias.
Já que a vida inteira namorei rapazes que não me namoravam e fui namorada de rapazes que jamais namorei, resolvi namorar o House e fim de papo. Comprei um estoque de Vicodim e um apartamento em andar baixo. Tudo pensando nele.
O House pode tudo. Ele pode me dizer que meu cabelo era infinitamente melhor mais curto e mais claro. Ele pode me dizer que eu fico infinitamente mais bonita com uns cinco quilos a mais. Ele pode reclamar que eu cortei a malhação por falta de grana e paciência. Ele pode reclamar da queda hormonal e da minha mania de viver caindo. Ele pode rir da minha vontade de escrever novela ou qualquer outra coisa popular que me encha de dinheiro para eu poder escrever livros quieta ouvindo Nina Simone, da minha mania de cantar Maroon 5 e do fato de eu escrever tudo em primeira pessoa porque, de verdade, acho um saco qualquer outra coisa do planeta que não passe aqui por dentro. E o House super passa, em meus sonhos.
Quando vai dando sete e meia da noite (ahhh, a falta do que fazer, já tem uma semana que não aparece um bom freela ou um bom sei lá o quê) tomo meu banho. Passo meus cremes. Coloco uma roupinha pra ele. Me tranco no quarto, no escuro. Vou passar os próximos sessenta minutos vendo vômitos, sangue, paradas cardíacas, berebas purulentas e a famosa “lombar punction”. Mas meu coração não entende nada como desgraça, a não ser a óbvia desgraça do amor.
Todos os dias eu acho que vou morrer. E todos os dias ele descobre mil coisas pra não deixar. Porque quase nunca se morre nas mãos dele. E todos os dias ele me magoa terrivelmente com sua amargura e inteligência. E eu deixo porque não tem nada mais sexy do que gente que te odeia. Namorar quem tá cagando pra você, então, é o auge do sexy. Por isso eu namoro o House.
Nós nunca vamos casar, ele nunca vai conhecer meus pais e eu sei que divido o seu amor com as garotas pagas. Não tem ilusão, não tem meiguices, não tem roupinha rosa com babados. É preto no branco. É sofrimento puro. É o pior namoro do mundo. Mas como diria minha mãe “quando essa menina decide uma coisa...”.
Tati Bernardi
Já que a vida inteira namorei rapazes que não me namoravam e fui namorada de rapazes que jamais namorei, resolvi namorar o House e fim de papo. Comprei um estoque de Vicodim e um apartamento em andar baixo. Tudo pensando nele.
O House pode tudo. Ele pode me dizer que meu cabelo era infinitamente melhor mais curto e mais claro. Ele pode me dizer que eu fico infinitamente mais bonita com uns cinco quilos a mais. Ele pode reclamar que eu cortei a malhação por falta de grana e paciência. Ele pode reclamar da queda hormonal e da minha mania de viver caindo. Ele pode rir da minha vontade de escrever novela ou qualquer outra coisa popular que me encha de dinheiro para eu poder escrever livros quieta ouvindo Nina Simone, da minha mania de cantar Maroon 5 e do fato de eu escrever tudo em primeira pessoa porque, de verdade, acho um saco qualquer outra coisa do planeta que não passe aqui por dentro. E o House super passa, em meus sonhos.
Quando vai dando sete e meia da noite (ahhh, a falta do que fazer, já tem uma semana que não aparece um bom freela ou um bom sei lá o quê) tomo meu banho. Passo meus cremes. Coloco uma roupinha pra ele. Me tranco no quarto, no escuro. Vou passar os próximos sessenta minutos vendo vômitos, sangue, paradas cardíacas, berebas purulentas e a famosa “lombar punction”. Mas meu coração não entende nada como desgraça, a não ser a óbvia desgraça do amor.
Todos os dias eu acho que vou morrer. E todos os dias ele descobre mil coisas pra não deixar. Porque quase nunca se morre nas mãos dele. E todos os dias ele me magoa terrivelmente com sua amargura e inteligência. E eu deixo porque não tem nada mais sexy do que gente que te odeia. Namorar quem tá cagando pra você, então, é o auge do sexy. Por isso eu namoro o House.
Nós nunca vamos casar, ele nunca vai conhecer meus pais e eu sei que divido o seu amor com as garotas pagas. Não tem ilusão, não tem meiguices, não tem roupinha rosa com babados. É preto no branco. É sofrimento puro. É o pior namoro do mundo. Mas como diria minha mãe “quando essa menina decide uma coisa...”.
Tati Bernardi
Salva, deleta.
O amor para mim é um botão de salva e deleta, totalmente movido por panes no meu sistema, infectado por vírus que são causados por essa soma da magia das pessoas e do cosmos. Eu passo de apaixonada a entediada, e vice-versa, em um toque, ou melhor: em uma frase, uma respirada, um cheiro, uma saliva.
A última vez que me apaixonei foi num jantar que não existiu. Passei horas me arrumando e, quando finalmente cheguei ansiosa e atrasada na casa dele, ele havia acabado de chegar da academia e estava todo suado e perdido. Sentou no sofá, olhou igual a uma criança de seis anos pra mim e disse: “e agora?”
Eu senti vontade de responder: “e agora, mesmo você sendo um bombadinho playboy indolente, que tal se a gente pedisse uma pizza e ficasse junto até os 98 anos de idade?”
Ainda faltam muitos anos, até lá meu computador pode ser contaminado mais uma vez pelo vírus do tempo que fode tudo e exterminar meu amor, só que uma coisa engraçada acontece: todos os dias a gente se dá motivo para apertar o botão de deletar, mas alguma coisa maior faz a gente salvar tudo a tempo.
TatiB.
A última vez que me apaixonei foi num jantar que não existiu. Passei horas me arrumando e, quando finalmente cheguei ansiosa e atrasada na casa dele, ele havia acabado de chegar da academia e estava todo suado e perdido. Sentou no sofá, olhou igual a uma criança de seis anos pra mim e disse: “e agora?”
Eu senti vontade de responder: “e agora, mesmo você sendo um bombadinho playboy indolente, que tal se a gente pedisse uma pizza e ficasse junto até os 98 anos de idade?”
Ainda faltam muitos anos, até lá meu computador pode ser contaminado mais uma vez pelo vírus do tempo que fode tudo e exterminar meu amor, só que uma coisa engraçada acontece: todos os dias a gente se dá motivo para apertar o botão de deletar, mas alguma coisa maior faz a gente salvar tudo a tempo.
TatiB.
sexta-feira, 22 de julho de 2011
Flores de Inverno
Talvez haja muita acidez na lucidez, talvez haja a percepção de detalhes das belezas que nunca reparamos. Quando estamos num turbilhão emocional, as imagens turvas pedem anestesias e a gente acha que obtém algum controle sobre as coisas, porque pensamos que podemos deixar pra cuidar da nossa vida amanhã. Mas à medida que protelamos nossa transformação, à medida que adiamos nossa mudança, adiamos também uma forma nova de sentir outras alegrias. E fechamos os olhos pra quem está ao lado, ou banalizamos um possível encontro que poderia desencadear uma história mais bonita. Ter a felicidade como um propósito, é a coisa mais difícil que conheço. Estamos sempre fugindo de nós mesmos e nos julgamos espertos demais com a porção de pequenas mentiras que nos inventamos. Mas a angústia que vem disso não nos deixa esquecer que só estamos adiando um processo precioso e delicado demais já que podemos continuar nos anestesiando. É preciso estar pronto, mas estar pronto também é transitório. E é preciso lucidez e coragem pra enfrentar o nosso pior inimigo: nós mesmos. Admitir que estamos nos fazendo mal com alguns hábitos ou relacionamentos destrutivos é assustador. E muitas vezes a sensação de impotência é o que impera. Somos imediatistas demais e não queremos sentir dor. Camuflamos nossa infelicidade da forma mais adequada que podemos. E passamos boa parte da vida sendo quem não somos. Até que nos esquecemos de quem somos e vivemos aquela máscara social por tempo demais, mas sempre com aquela sensação de que alguma coisa está fora do lugar, nutrindo relações vazias e breves com medo de sermos descobertos.
Quando entrei em reclusão para organizar o que estava fora do lugar, tive uma das piores sensações da minha vida: era uma espécie de crise de abstinência e a bagunça estava tão arraigada que eu não sabia por onde começar a arrumar as coisas. Foram noites e dias enfrentando a vida de peito aberto, e sangrava. Eu chorava baixo e pedia paciência. E tinha pesadelos todas as noites. Acordava cansada e com o olhar mais triste que já tive.Até que tudo foi se ajeitando aos poucos, dentro do meu tempo e dos meus limites. Eu estava num processo de cura e não percebia.Mas estava buscando avidamente ser quem eu realmente era, ou pelo menos, melhor.
Hoje, eu consigo olhar pro meu passado como uma espectadora. E apontar cada detalhe e cada erro e acerto e cada instante e sensação e fuga. As projeções que fiz, as dependências que criei, as compulsões que tive, hoje são um presente de maturidade e otimismo. Porque comecei a atrair pessoas, histórias e assuntos mais leves, saudáveis. E criei pra mim uma rotina de paz, e deixei de admirar muita gente e a apreciar outras.E vivi muita solidão, muita solitude, muito aconchego também.
Hoje sou tão grata por tudo que doeu, por tudo que sangrou, pelo sono perdido. Retomei o controle da minha vida e estou sendo amada de uma maneira que me deixa mais segura. Perdi meus medos, sobrou apenas a minha fobia de altura. E, por menos que eu tenha escrito, a poesia sempre esteve em mim.
Brindo com vocês esta fase nova em que ,finalmente, conheci a tranqüilidade. Se eu tinha esquecido desta frase, hoje eu posso repetir com o coração cheio de certeza: TUDO VAI DAR CERTO SEMPRE, porque a vida se encarrega das coisas e ela nos compensa com ela mesma.
Obrigada a vocês, ao Universo e a todos os amigos que respeitaram minhas etapas com compreensão e paciência. E obrigada também a mim, que tive coragem e escolhi sobreviver a tudo.
(Marla de Queiroz)
Acabou
Nunca me conformei com o fim de nada. Por mais que eu sentisse que era a hora. Por mais que eu quisesse ou precisasse me livrar das coisas. O “acabou” sempre chega ou chegou como se eu jamais tivesse parado pra pensar nele. Cruel, terrível e doloroso além de mim.
O último dia em qualquer coisa que tenha durado tempo suficiente pra me fazer dormir sorrindo com o dia seguinte. Um emprego, um curso, uma casa, uma viagem especial, um relacionamento. O último dia do ano. Sempre tristes, sempre cheios de momentos em que eu preciso me isolar e ficar de um quase desespero catatônico. Uma vontade de sair correndo sem me mexer. Um pavor calmo e, pra quem nada entende de espasmos assustados, até sorridente. Abaixar e abrandar tudo em mim que ainda se debate pra continuar onde estava. Subindo loucos para a minha testa, todos eles. Mas quem são esses eles que sobem pra minha testa? Um mal estar em velar a vida que acabou pra poder continuar. Uma mistura caótica de enterro com nascimento, tipo se apaixonar.
Dez pra meia noite meus amigos já estão um pouco bêbados e os fogos começam nas praias próximas. A praia em frente à casa está linda e o teto cheio de bexigas brancas. Meus amigos cheiram bem. Digo, por causa do banho. Eu sumo. Desapareço. E começam as piadinhas “deixa, ela é assim mesmo”. Uma coisa horrorosa me assusta e eu quero algo que não é nem a minha mãe e nem a minha cama e nem a minha casa. Olho meu carro na garagem da casa e tenho um segundo de alívio. Ainda existe ir embora. Mas da onde? Eu sempre querendo ir embora. Mas pra onde? Quero um colo e um quente e um ombro que nunca conheci. Não é de homem, de amor, de força. O que é isso? Um enjoado que não faz passar mal. Um frio que não precisa de agasalho. Uma necessidade absurda de ir para um lugar que eu nem imagino qual seja. Uma saudade de vida inteira como se eu já tivesse vivido. Uma coisa enorme e ao mesmo tempo concentrada naquela picadinha de inseto atrás do meu joelho que incha e incomoda do tamanho do mundo. Uma angústia que estremece até aqueles cantos da gente que a gente passa batido. Uma coisa de cantos e não de peitos. Mas que acaba com o oxigênio.
Sento sozinha onde a vista é mais bonita. Aperto meu celular. Pra quem eu quero ligar? Quem? Ninguém. Não é saudade de gente essa coisa. Não é coisa que passa de ouvir voz ou desejo ou coisas bonitas. Então passa com o quê? Chama a Tati que vai dar meia noite. Não, deixa ela. Ela é assim mesmo. É “tipo” isso que ela faz? É e não é. É saudade da família, do cara, da cachorra? Não, ela é assim. Escuto os outros e enquanto isso acontecer, não vai passar. Preciso me escutar. Mas não tenho nada pra me dizer. Só esse vão dos pensamentos. Só esse intervalo de motivos. Só a soneca merecida do carrasco que mora no centro da minha cabeça. Só o momento alienado das listas. Esse bueiro vazio embaixo da vida. Essa falha da linha embaixo do que se tem a dizer. Esse nada que caio, de vez em quando, e que também não tem nada pra me dizer a não ser que o mistério também faz parte. Assim que eu me sentir mais leve, simplesmente saio dele, sem nada concluir. Não dá pra forçar, levar um choque de voltar pra superfície. Só o que existe é enfrentar esse algo que jamais soa como algo a ser enfrentado, já que não é nada.
Coloca aí a sinfonia número 5 para eu chorar? Quando meu pai me leva, aos domingos, para ver concertos, fico torcendo pra ter essa porque ela sempre explica, de alguma maneira, o fim das coisas. Não é de morte, mas é de morrer. Entende? Coloca? Não, Tati. Ninguém tem isso aqui, tá louca? A gente vai colocar o Asa de águia. Oi? É. E eu mais uma vez me pergunto porque saio de São Paulo no dia que mais tenho pânico de todos os dias do ano. Mas se eu contar pra alguém, vão me mandar pra médicos e remédios e curandeiros. Como se tivesse solução pra ter nascido. Ninguém entende nada. Então só me afasto e aperto o celular. Não quero nada e nem ninguém. Aperto apenas pra lembrar que existe, ainda, uma lista de querer dentro de mim. Que uma hora volta. Daqui a pouco eu volto e tudo volta.
A virada do ano. Estamos todos morrendo! Quero correr pela praia. E gritar. Fodeu galeraaaaaa! Estamos todos morrendo! Acabou. Ta acabando. Vai acabar. E isso é...putz, e isso é tão lindo que eu queria poder, agora, amar demais tudo e todos. Amar daquele jeito perfeito que dura um segundo e não quer nada em troca. Amar com meu caminhão da Granero. Do jeito enorme e grosseiro e Zona Leste que sei. Mas não faço nada disso, apenas rebolo, como se eu fosse mais uma ovelha do rebanho feliz, ao som do Asa de águia. E é como se o diabo me filmasse para eu saber, pra sempre, o quanto me traio pra jamais sucumbir a minha estranheza. O quanto deixo de assustar os outros com a minha maluquice e me assusto com a maluquice dos outros em mim. Rebolo pra dar de presente ao mundo minha presença, ainda que nem eu possa senti-la nessas horas.
Acabou. O ano virou. Daqui a pouco, todos estarão tão bêbados que eu poderei ser estranha ou infeliz ou bizarra ou nula como bem entender. Talvez ir dormir, por exemplo. Ou fazer coco. E poderei me libertar dessa obrigação pavorosa de estar feliz e simpática e emanando coisas boas. A ditadura da felicidade. Ano Novo é que nem o Rio de Janeiro. O Hugo Chávez da alegria. Eu quando fico estranha, quando tenho o “troço” que me dá, a última coisa que quero é um abraço. Agora imagina ficar estranha todo ano novo, a data dos abraços. Socorro.
As quatro da manhã, em meio a bexigas estouradas, gente caída, bocejos e I-pods descarregados, sinto a alegria vindo como um orgasmo daqueles que sabemos fortes porque se aproximam tímidos e ainda machucados. Canto bem alto. Danço. Abraço os restos das pessoas espalhados pelos restos da festa. Agora é a minha vez. Enquanto todos acabam de comemorar o final do ano, começo a comemorar o final da comemoração de final de ano. Ufa! Acabou! Acabou o Natal e o ano novo! Ufa! Agora que não precisa ser feliz, posso ser feliz em paz. Agora que não precisa ter energia, esbanjo minha falta de limite. Quero correr pela praia. Estamos todos vivos. Galeraaaaaa estamos vivooooos! Ufa! Acabou! Acabooooou! É isso. Não sei ser feliz com os finais que chegam. Mas sempre dou um jeito de me divertir quando sou eu que, apesar de tudo, chego até o fim.
Tati B.
O último dia em qualquer coisa que tenha durado tempo suficiente pra me fazer dormir sorrindo com o dia seguinte. Um emprego, um curso, uma casa, uma viagem especial, um relacionamento. O último dia do ano. Sempre tristes, sempre cheios de momentos em que eu preciso me isolar e ficar de um quase desespero catatônico. Uma vontade de sair correndo sem me mexer. Um pavor calmo e, pra quem nada entende de espasmos assustados, até sorridente. Abaixar e abrandar tudo em mim que ainda se debate pra continuar onde estava. Subindo loucos para a minha testa, todos eles. Mas quem são esses eles que sobem pra minha testa? Um mal estar em velar a vida que acabou pra poder continuar. Uma mistura caótica de enterro com nascimento, tipo se apaixonar.
Dez pra meia noite meus amigos já estão um pouco bêbados e os fogos começam nas praias próximas. A praia em frente à casa está linda e o teto cheio de bexigas brancas. Meus amigos cheiram bem. Digo, por causa do banho. Eu sumo. Desapareço. E começam as piadinhas “deixa, ela é assim mesmo”. Uma coisa horrorosa me assusta e eu quero algo que não é nem a minha mãe e nem a minha cama e nem a minha casa. Olho meu carro na garagem da casa e tenho um segundo de alívio. Ainda existe ir embora. Mas da onde? Eu sempre querendo ir embora. Mas pra onde? Quero um colo e um quente e um ombro que nunca conheci. Não é de homem, de amor, de força. O que é isso? Um enjoado que não faz passar mal. Um frio que não precisa de agasalho. Uma necessidade absurda de ir para um lugar que eu nem imagino qual seja. Uma saudade de vida inteira como se eu já tivesse vivido. Uma coisa enorme e ao mesmo tempo concentrada naquela picadinha de inseto atrás do meu joelho que incha e incomoda do tamanho do mundo. Uma angústia que estremece até aqueles cantos da gente que a gente passa batido. Uma coisa de cantos e não de peitos. Mas que acaba com o oxigênio.
Sento sozinha onde a vista é mais bonita. Aperto meu celular. Pra quem eu quero ligar? Quem? Ninguém. Não é saudade de gente essa coisa. Não é coisa que passa de ouvir voz ou desejo ou coisas bonitas. Então passa com o quê? Chama a Tati que vai dar meia noite. Não, deixa ela. Ela é assim mesmo. É “tipo” isso que ela faz? É e não é. É saudade da família, do cara, da cachorra? Não, ela é assim. Escuto os outros e enquanto isso acontecer, não vai passar. Preciso me escutar. Mas não tenho nada pra me dizer. Só esse vão dos pensamentos. Só esse intervalo de motivos. Só a soneca merecida do carrasco que mora no centro da minha cabeça. Só o momento alienado das listas. Esse bueiro vazio embaixo da vida. Essa falha da linha embaixo do que se tem a dizer. Esse nada que caio, de vez em quando, e que também não tem nada pra me dizer a não ser que o mistério também faz parte. Assim que eu me sentir mais leve, simplesmente saio dele, sem nada concluir. Não dá pra forçar, levar um choque de voltar pra superfície. Só o que existe é enfrentar esse algo que jamais soa como algo a ser enfrentado, já que não é nada.
Coloca aí a sinfonia número 5 para eu chorar? Quando meu pai me leva, aos domingos, para ver concertos, fico torcendo pra ter essa porque ela sempre explica, de alguma maneira, o fim das coisas. Não é de morte, mas é de morrer. Entende? Coloca? Não, Tati. Ninguém tem isso aqui, tá louca? A gente vai colocar o Asa de águia. Oi? É. E eu mais uma vez me pergunto porque saio de São Paulo no dia que mais tenho pânico de todos os dias do ano. Mas se eu contar pra alguém, vão me mandar pra médicos e remédios e curandeiros. Como se tivesse solução pra ter nascido. Ninguém entende nada. Então só me afasto e aperto o celular. Não quero nada e nem ninguém. Aperto apenas pra lembrar que existe, ainda, uma lista de querer dentro de mim. Que uma hora volta. Daqui a pouco eu volto e tudo volta.
A virada do ano. Estamos todos morrendo! Quero correr pela praia. E gritar. Fodeu galeraaaaaa! Estamos todos morrendo! Acabou. Ta acabando. Vai acabar. E isso é...putz, e isso é tão lindo que eu queria poder, agora, amar demais tudo e todos. Amar daquele jeito perfeito que dura um segundo e não quer nada em troca. Amar com meu caminhão da Granero. Do jeito enorme e grosseiro e Zona Leste que sei. Mas não faço nada disso, apenas rebolo, como se eu fosse mais uma ovelha do rebanho feliz, ao som do Asa de águia. E é como se o diabo me filmasse para eu saber, pra sempre, o quanto me traio pra jamais sucumbir a minha estranheza. O quanto deixo de assustar os outros com a minha maluquice e me assusto com a maluquice dos outros em mim. Rebolo pra dar de presente ao mundo minha presença, ainda que nem eu possa senti-la nessas horas.
Acabou. O ano virou. Daqui a pouco, todos estarão tão bêbados que eu poderei ser estranha ou infeliz ou bizarra ou nula como bem entender. Talvez ir dormir, por exemplo. Ou fazer coco. E poderei me libertar dessa obrigação pavorosa de estar feliz e simpática e emanando coisas boas. A ditadura da felicidade. Ano Novo é que nem o Rio de Janeiro. O Hugo Chávez da alegria. Eu quando fico estranha, quando tenho o “troço” que me dá, a última coisa que quero é um abraço. Agora imagina ficar estranha todo ano novo, a data dos abraços. Socorro.
As quatro da manhã, em meio a bexigas estouradas, gente caída, bocejos e I-pods descarregados, sinto a alegria vindo como um orgasmo daqueles que sabemos fortes porque se aproximam tímidos e ainda machucados. Canto bem alto. Danço. Abraço os restos das pessoas espalhados pelos restos da festa. Agora é a minha vez. Enquanto todos acabam de comemorar o final do ano, começo a comemorar o final da comemoração de final de ano. Ufa! Acabou! Acabou o Natal e o ano novo! Ufa! Agora que não precisa ser feliz, posso ser feliz em paz. Agora que não precisa ter energia, esbanjo minha falta de limite. Quero correr pela praia. Estamos todos vivos. Galeraaaaaa estamos vivooooos! Ufa! Acabou! Acabooooou! É isso. Não sei ser feliz com os finais que chegam. Mas sempre dou um jeito de me divertir quando sou eu que, apesar de tudo, chego até o fim.
Tati B.
O sultão sem coração.
Mal pisei na balada já correram pra me avisar: “Se prepare, ele está aí, e não está sozinho.”
Eu sabia, eu sabia. Estava saindo de casa com meu jeans fuleiro, meu tênis vermelho surrado e uma camiseta qualquer quando tive a brilhante idéia de me trocar inteira. Eu era agora uma moça com um pretinho básico curtérrimo, uma longa bota de bico fino e um belo decote que insinuava um sutiã pink. Um arraso.
Ah, então ele estava lá e estava acompanhado? Sem problemas, quem já tá na merda não se incomoda com mais sujeiras. Eu não iria embora não, iria ficar e tentar rebolar ao máximo a bunda que eu não tenho.
Escolhi o ângulo perfeito, aquele em que ele não teria como não ver, e comecei a desfilar minha falsa alegria pela pista, eu ria e dançava como se fosse a pessoa mais alegre do planeta.
Uma amiga me alertou: “Ele está com uma loira que é um arraso.” Eu nem liguei, arraso por arraso e loira por loira, até aí eu também sou. Com a diferença de que eu sempre fui uma loira-arraso que sabia conversar uma ou outra coisinha com ele e nunca fiz questão de presentes. Aquela devia ser uma burra interesseira.
Daqui a pouco outra amiga (tô começando a duvidar dessas amizades) veio com a novidade: “Você viu a morena que está com ele? Sensacional!”
Uma morena? Mas não era uma loira? Que seja, dane-se, eu também era, no fundo, no fundo, uma morena. Ele estava cansado de saber (e conferir) isso. Uma morena não estragaria minha noite não, eu tinha um sutiã pink, uma cano alto de couro nos pés, um novo corte chiquérrimo de cabelo e uma nuca deliciosa à mostra. Tava tudo certo.
Resolvi conferir, por via das dúvidas. Como será que era essa loira, ou essa morena. Era loira ou morena? Andei o bar inteiro atrás dele até que o vi sentado num sofá imperial com seus adidas velhos em cima de um puf imperial (a decoração da bosta do bar é imperial). Enquanto ele saboreava um mojito das mãos de uma linda loira, uma linda morena esfregava seus enormes peitos na cara dele e chupava uma folhinha de hortelã. O sofá ainda abarcava uma castanha, uma ruiva, uma japonesa, duas baixinhas assanhadas e uma grandona com cara de traveco.
Ele não estava nem com uma loira, nem com uma morena. Ele estava em um harém. Ele era um sultão com mil mulheres. Era o dono do pedaço. Mandava e desmandava naquela merda. Se naquela merda de bar vendessem uvas em cachos, ele certamente estaria comendo uma das mãos de uma daquelas vadias.
Eu quase podia ouvir ele falar no ouvido deslumbrado daquelas putas: “Vai, querida, pega lá o que você quiser beber, hoje é por minha conta.” “Vamos, lindinha, vamos lá pra minha casa que tem oito andares, uma king size com mil almofadas de seda e um deck decorado de estrelas”.
Ele fez que não viu, mas me viu olhando. Se ajeitou no sofá, jogou a porra do cabelo ensebado pra trás e deitou a cabeça no meio dos peitos da morena. A loira, enciumada mas querendo participar da brincadeira, jogou as pernas por cima dos dois. As outras dançavam e rebolavam em volta dele. Era praticamente uma orgia na minha frente.
Cansei, era demais pra mim. Ainda que eu subisse em alguma mesa pelada e jogasse fanta uva nos peitos (eu não bebo), eu não ganharia dele. Ele tinha vencido, ele estava por cima, só me restava ir embora.
Depois de três horas sem entender por que raios a fila para pagar a bosta do bar não andava, resolvi ver o que estava acontecendo.
E como desgraça pouca é bobagem, o que estava acontecendo é que demorava um pouco para somar a conta de 14 putas alcóolatras numa só comanda e dar para o sultão pagar com o cartão da empresa. Que cena, que vontade de vomitar.
Tudo bem, tudo bem, respirei fundo. Quantas vezes eu não tinha desfilado com garotos mais jovens e mais fortes do que ele? Quantas vezes ele já não havia me ligado implorando um almocinho sem maiores danos e eu havia negado. Ele só estava me dando o troco. E que troco: a conta das vadias bêbadas tinha ultrapassado toda a grana que ele já havia gasto comigo em anos.
Cheguei em casa arrasada. Arranquei aquela roupa ridícula que mostrava aquele sutiã ridículo e joguei aquelas botas ridículas o mais longe que eu pude. Coloquei, querendo morrer, meu pijama de ursinhos: enquanto isso ele comia duzentas mulheres que certamente usavam roupinhas mais sexy.
A Lolita (minha cachorrinha) se encaixou em mim, querendo dormir de conchinha. Que fim triste para essa mulher de maquiagem borrada e coração dilacerado. Enquanto isso ele devia estar encoxando duzentas mulheres que também latiam (e com muita sorte minha também eram peludas).
Mais uma vez a velha e boa sensação de que o mundo todo é lindo, o mundo todo é desejado, o mundo todo se diverte, o mundo todo vibra, trepa, goza, brinca, ama, festeja, acontece, se dá bem… e eu continuo feia, brega, renegada, com teias de aranha, sozinha e no escuro.
Meu sofrimento não tinha fim, mas foi interrompido pela salsa eletrônica do meu novo celular rosa. Era ele do outro lado: “Conversa comigo? Tô sem sono…”
Eu sabia, eu sabia, nem todas as “sultãonetes” do mundo eram capazes de dar a ele o que eu dava. Ainda que meu coração fosse um só.
TatiB.
Eu sabia, eu sabia. Estava saindo de casa com meu jeans fuleiro, meu tênis vermelho surrado e uma camiseta qualquer quando tive a brilhante idéia de me trocar inteira. Eu era agora uma moça com um pretinho básico curtérrimo, uma longa bota de bico fino e um belo decote que insinuava um sutiã pink. Um arraso.
Ah, então ele estava lá e estava acompanhado? Sem problemas, quem já tá na merda não se incomoda com mais sujeiras. Eu não iria embora não, iria ficar e tentar rebolar ao máximo a bunda que eu não tenho.
Escolhi o ângulo perfeito, aquele em que ele não teria como não ver, e comecei a desfilar minha falsa alegria pela pista, eu ria e dançava como se fosse a pessoa mais alegre do planeta.
Uma amiga me alertou: “Ele está com uma loira que é um arraso.” Eu nem liguei, arraso por arraso e loira por loira, até aí eu também sou. Com a diferença de que eu sempre fui uma loira-arraso que sabia conversar uma ou outra coisinha com ele e nunca fiz questão de presentes. Aquela devia ser uma burra interesseira.
Daqui a pouco outra amiga (tô começando a duvidar dessas amizades) veio com a novidade: “Você viu a morena que está com ele? Sensacional!”
Uma morena? Mas não era uma loira? Que seja, dane-se, eu também era, no fundo, no fundo, uma morena. Ele estava cansado de saber (e conferir) isso. Uma morena não estragaria minha noite não, eu tinha um sutiã pink, uma cano alto de couro nos pés, um novo corte chiquérrimo de cabelo e uma nuca deliciosa à mostra. Tava tudo certo.
Resolvi conferir, por via das dúvidas. Como será que era essa loira, ou essa morena. Era loira ou morena? Andei o bar inteiro atrás dele até que o vi sentado num sofá imperial com seus adidas velhos em cima de um puf imperial (a decoração da bosta do bar é imperial). Enquanto ele saboreava um mojito das mãos de uma linda loira, uma linda morena esfregava seus enormes peitos na cara dele e chupava uma folhinha de hortelã. O sofá ainda abarcava uma castanha, uma ruiva, uma japonesa, duas baixinhas assanhadas e uma grandona com cara de traveco.
Ele não estava nem com uma loira, nem com uma morena. Ele estava em um harém. Ele era um sultão com mil mulheres. Era o dono do pedaço. Mandava e desmandava naquela merda. Se naquela merda de bar vendessem uvas em cachos, ele certamente estaria comendo uma das mãos de uma daquelas vadias.
Eu quase podia ouvir ele falar no ouvido deslumbrado daquelas putas: “Vai, querida, pega lá o que você quiser beber, hoje é por minha conta.” “Vamos, lindinha, vamos lá pra minha casa que tem oito andares, uma king size com mil almofadas de seda e um deck decorado de estrelas”.
Ele fez que não viu, mas me viu olhando. Se ajeitou no sofá, jogou a porra do cabelo ensebado pra trás e deitou a cabeça no meio dos peitos da morena. A loira, enciumada mas querendo participar da brincadeira, jogou as pernas por cima dos dois. As outras dançavam e rebolavam em volta dele. Era praticamente uma orgia na minha frente.
Cansei, era demais pra mim. Ainda que eu subisse em alguma mesa pelada e jogasse fanta uva nos peitos (eu não bebo), eu não ganharia dele. Ele tinha vencido, ele estava por cima, só me restava ir embora.
Depois de três horas sem entender por que raios a fila para pagar a bosta do bar não andava, resolvi ver o que estava acontecendo.
E como desgraça pouca é bobagem, o que estava acontecendo é que demorava um pouco para somar a conta de 14 putas alcóolatras numa só comanda e dar para o sultão pagar com o cartão da empresa. Que cena, que vontade de vomitar.
Tudo bem, tudo bem, respirei fundo. Quantas vezes eu não tinha desfilado com garotos mais jovens e mais fortes do que ele? Quantas vezes ele já não havia me ligado implorando um almocinho sem maiores danos e eu havia negado. Ele só estava me dando o troco. E que troco: a conta das vadias bêbadas tinha ultrapassado toda a grana que ele já havia gasto comigo em anos.
Cheguei em casa arrasada. Arranquei aquela roupa ridícula que mostrava aquele sutiã ridículo e joguei aquelas botas ridículas o mais longe que eu pude. Coloquei, querendo morrer, meu pijama de ursinhos: enquanto isso ele comia duzentas mulheres que certamente usavam roupinhas mais sexy.
A Lolita (minha cachorrinha) se encaixou em mim, querendo dormir de conchinha. Que fim triste para essa mulher de maquiagem borrada e coração dilacerado. Enquanto isso ele devia estar encoxando duzentas mulheres que também latiam (e com muita sorte minha também eram peludas).
Mais uma vez a velha e boa sensação de que o mundo todo é lindo, o mundo todo é desejado, o mundo todo se diverte, o mundo todo vibra, trepa, goza, brinca, ama, festeja, acontece, se dá bem… e eu continuo feia, brega, renegada, com teias de aranha, sozinha e no escuro.
Meu sofrimento não tinha fim, mas foi interrompido pela salsa eletrônica do meu novo celular rosa. Era ele do outro lado: “Conversa comigo? Tô sem sono…”
Eu sabia, eu sabia, nem todas as “sultãonetes” do mundo eram capazes de dar a ele o que eu dava. Ainda que meu coração fosse um só.
TatiB.
Do que os homens têm tanto medo?
Pior do que uma mulher que fala o que pensa é uma que escreve...
Quando eu tinha vinte, vinte e dois anos, choviam homens querendo namorar comigo. Eu era uma menininha perdida, com um Corsinha todo batido, semi-virgem e com medo de ir para a praia aos finais de semana e deixar minha mãe sozinha. Choviam homens. E homens interessantes, juro.
Aí agora, com quase trinta, moro sozinha, ganho bem, me tornei loira, aprendi a fazer coisas legais como torta de palmito e striptease e... nada. Os caras até se apaixonam por mim, se declaram, coisa e tal, mas nada de me levarem ao cinema de mãos dadas. Eu, meu guarda roupas fashion, meus livros publicados e meu ap moderno, vivemos sozinhos.
Que é que eu tinha com vinte anos que eu não tenho mais? Não, não era um corpo melhor. Juro que eu to melhor agora, que tenho como pagar o Paulão, meu personal. Também melhorei de cabelo, de pele, de sorriso, de voz. Meus amigos mais antigos tão aí pra confirmar, sempre que me encontram, comentam: “nossa Tati, como você ficou melhorzinha com os anos!” Então qual é o problema?
Será que me falta aquela pureza que eu tinha com vinte anos? Poxa, mas eu não era exatamente pura, eu era só bobinha. Daquele tipo mala que espera chegar ao motel pra falar pro cara “sabe que é? Não to a fim não”. Que homem gosta disso? Hoje em dia se não to a fim não dou nem bom dia.
Será que os homens sentem falta de quando eu era estagiária, com a mesadinha suada da mamãe? Pode ser. Homem é meio tosco e sempre se sente mais seguro com uma menina aprendendo o que é a vida. É mais fácil ser o rei do sexo com uma inexperiente, ou ser o rei do bom gosto gastronômico com uma garota que paga o mcdonalds com ticket restaurante. É, eu exigia e assustava menos naquela época. Mas será que é só isso mesmo? Descobri que não.
Passei os últimos meses encarando todo e qualquer relacionamento como estudo antropológico e desvendei o grande mistério da minha solidão: os caras têm medo, na verdade, das minhas letrinhas. Dá pra acreditar?
Eles acham que se não forem bons o suficiente na arte do acasalamento, no dia seguinte vai ter um texto meu com o titulo “tudo o que é bom dura pouco, mas dois segundos não é rápido demais?”. Eles acham que se não forem inteligentes o suficiente durante o jantar, no dia seguinte não vão escapar à minha critica “o que sobra dentro da calça falta dentro do cérebro”.
Já teve cara que me pediu “se você for me largar, promete que me conta antes de publicar? Não queria ficar sabendo pela Internet!” E teve também, claro, o clássico: “putz, gata, você já foi logo escrevendo que adorou a noite de ontem, que está apaixonada...ficou muito fácil, perdeu a graça”.
Tem de tudo. Do cara que não sustenta namorar uma mulher que não só tem passado (existe alguém com 28 anos que não tenha passado?) como resolveu escrever um livro sobre ele, ao cara que fala “tanto texto bonito para outros caras e nenhunzinho pra mim? Não quero mais sair com você!”.
Outro dia ouvi de um cara que tava me paquerando “não, não vou comprar seu livro, vai perder o mistério”!
É isso então. É aí que está o problema. Eu escrevo sobre a minha vida e isso causa nos machos um misto de medo “será que ela vai me expor?” com um misto de quebra de magia “ah, ela se expõe demais ali, prefiro aquela mulher muda e sem personalidade que sempre vai ser um mistério para mim”.
Entrei numa baita crise. Tirei meu site do ar e tudo. Repensei a vida, repensei a morte da bezerra, aumentei a terapia, voltei pra meditação. Mas depois cheguei a uma conclusão maravilhosa e definitiva: nenhum homem, até hoje, me deu mais prazer do que escrever. Então que se danem eles.
TatiB.
Quando eu tinha vinte, vinte e dois anos, choviam homens querendo namorar comigo. Eu era uma menininha perdida, com um Corsinha todo batido, semi-virgem e com medo de ir para a praia aos finais de semana e deixar minha mãe sozinha. Choviam homens. E homens interessantes, juro.
Aí agora, com quase trinta, moro sozinha, ganho bem, me tornei loira, aprendi a fazer coisas legais como torta de palmito e striptease e... nada. Os caras até se apaixonam por mim, se declaram, coisa e tal, mas nada de me levarem ao cinema de mãos dadas. Eu, meu guarda roupas fashion, meus livros publicados e meu ap moderno, vivemos sozinhos.
Que é que eu tinha com vinte anos que eu não tenho mais? Não, não era um corpo melhor. Juro que eu to melhor agora, que tenho como pagar o Paulão, meu personal. Também melhorei de cabelo, de pele, de sorriso, de voz. Meus amigos mais antigos tão aí pra confirmar, sempre que me encontram, comentam: “nossa Tati, como você ficou melhorzinha com os anos!” Então qual é o problema?
Será que me falta aquela pureza que eu tinha com vinte anos? Poxa, mas eu não era exatamente pura, eu era só bobinha. Daquele tipo mala que espera chegar ao motel pra falar pro cara “sabe que é? Não to a fim não”. Que homem gosta disso? Hoje em dia se não to a fim não dou nem bom dia.
Será que os homens sentem falta de quando eu era estagiária, com a mesadinha suada da mamãe? Pode ser. Homem é meio tosco e sempre se sente mais seguro com uma menina aprendendo o que é a vida. É mais fácil ser o rei do sexo com uma inexperiente, ou ser o rei do bom gosto gastronômico com uma garota que paga o mcdonalds com ticket restaurante. É, eu exigia e assustava menos naquela época. Mas será que é só isso mesmo? Descobri que não.
Passei os últimos meses encarando todo e qualquer relacionamento como estudo antropológico e desvendei o grande mistério da minha solidão: os caras têm medo, na verdade, das minhas letrinhas. Dá pra acreditar?
Eles acham que se não forem bons o suficiente na arte do acasalamento, no dia seguinte vai ter um texto meu com o titulo “tudo o que é bom dura pouco, mas dois segundos não é rápido demais?”. Eles acham que se não forem inteligentes o suficiente durante o jantar, no dia seguinte não vão escapar à minha critica “o que sobra dentro da calça falta dentro do cérebro”.
Já teve cara que me pediu “se você for me largar, promete que me conta antes de publicar? Não queria ficar sabendo pela Internet!” E teve também, claro, o clássico: “putz, gata, você já foi logo escrevendo que adorou a noite de ontem, que está apaixonada...ficou muito fácil, perdeu a graça”.
Tem de tudo. Do cara que não sustenta namorar uma mulher que não só tem passado (existe alguém com 28 anos que não tenha passado?) como resolveu escrever um livro sobre ele, ao cara que fala “tanto texto bonito para outros caras e nenhunzinho pra mim? Não quero mais sair com você!”.
Outro dia ouvi de um cara que tava me paquerando “não, não vou comprar seu livro, vai perder o mistério”!
É isso então. É aí que está o problema. Eu escrevo sobre a minha vida e isso causa nos machos um misto de medo “será que ela vai me expor?” com um misto de quebra de magia “ah, ela se expõe demais ali, prefiro aquela mulher muda e sem personalidade que sempre vai ser um mistério para mim”.
Entrei numa baita crise. Tirei meu site do ar e tudo. Repensei a vida, repensei a morte da bezerra, aumentei a terapia, voltei pra meditação. Mas depois cheguei a uma conclusão maravilhosa e definitiva: nenhum homem, até hoje, me deu mais prazer do que escrever. Então que se danem eles.
TatiB.
Mais uma festa.
Um a um foram chegando, e eu somando a quantidade de amor que tenho no mundo. Mais ou menos 50 pessoas foram, somando com mais um monte de e-mails e mais um monte de ligações, é… até que sou bem amada. Calma, você é amada, tá vendo? Não precisa mais ficar em casa de pijama assistindo Woody Allen, você é amada. É que dá uma preguiça de existir.
Comemoro que estou viva, no meio da confusão que é comemorar ter amigos, comemorar a blusa nova, comemorar que tenho emprego e, por isso, amigos e roupa nova, comemorar que fiz progressiva na franja, comemorar que não sou um alien e consigo socializar, comemorar que existo dentro de uma comunidade que me aceita e até sai de casa pra tentar achar uma ruazinha difícil pra caramba.
Sorri em todas as fotos, esgotei minhas piadas, desfilei abraços, toquei em muita gente, ganhei alguns presentes, fiz bem meu papel de “olha que legal, estou aqui, mais um ano se passou e eu continuo achando que vale a pena estar aqui”.
Um a um vão embora, e eu somando a quantidade de amor que vai embora.
Sobram os loucos e suas insônias, sobra o garçom cansado que não agüenta mais os loucos e suas insônias. Sobra uma latinha num canto, seis cadeiras solitárias formando uma rodinha animada, muitas bitucas que insinuam um animado papo que não existe mais. Sobro eu, novamente.
A vida, a noite, as festas, tudo continua igual. O mesmo fedor de cigarro no cabelo, o mesmo homem bonito me olhando de longe, o mesmo homem bonito que, quando chega perto e abre a boca, eu gostaria que tivesse permanecido longe. O mesmo ânimo em pertencer, a mesma alegria em comemorar, a mesma festa em se encontrar. Mas ninguém sabe exatamente ao que pertence, o que comemora e muito menos o que encontra.
Atravesso a rua sozinha, carregando uma sacola cheia de presentes e cartinhas. Entro sozinha no meu carro, ouço de novo a música da semana, sigo em frente. Carrego o afeto que ganhei numa sacolinha rosa, mas dentro do meu coração é sempre esse saco furado e negro.
Por mais que todas as terapias do mundo, todas as auto-ajudas do universo e todos os amigos experientes do planeta me digam que preciso definitivamente não precisar de você, minha alma grita aqui dentro que, por mais feliz que eu seja, a festa é sempre pela metade.
É você quem eu sempre busco com minha gargalhada alta, com a minha perdição humana em festejar porque é preciso festejar, com a minha solidão cansada de se enganar.
Não agüento mais os mesmos papos, os mesmos cheiros, as mesmas gírias, os mesmos erros, a volta por cima, o salto alto, o queixo empinado, o peito projetado pra frente. Não agüento mais fingir com toda a força do mundo que tudo bem festejar sem saber quem é você.
Eu não acredito mais em sumir do país, em trocar de emprego, em mudar de religião, em ficar em silêncio até que tudo se acalme, em dormir até tarde, no fim de tarde na Praia Preta, na nova proposta, no novo projeto, no super livro, no filme genial, na nova galera, na academia moderna, no carinha até que bacana que gosta de jazz e restaurantes charmosos, no curso de história, em comprar o novo CD mais master animado do mundo, em ler John Fante longe de tudo, em ser dondoca, em fazer progressiva, em fazer boxe, em fazer torta de verdura, em ser batalhadora, em ser fashion, em não ser nada. Mas eu continuo acreditando na gente, eu continuo acreditando que tudo sem você é distração e tudo com você é vida.
Como eu queria agora ir para a sua casa, deitar na sua cama, ouvir a sua voz, esquentar meu pé na sua batata da perna. Como eu queria saber seu nome, seu cheiro, sua rua.
Assim como um dia um samba saiu procurando alguém, este texto tem a missão de sair em sua busca. Eu não escrevo por dinheiro, vaidade, pretensão ou inteligência. Eu escrevo porque eu sei que é assim que vou te encontrar. Eu escrevo porque não posso mais agüentar que a festa acabe.
Tati B.
Comemoro que estou viva, no meio da confusão que é comemorar ter amigos, comemorar a blusa nova, comemorar que tenho emprego e, por isso, amigos e roupa nova, comemorar que fiz progressiva na franja, comemorar que não sou um alien e consigo socializar, comemorar que existo dentro de uma comunidade que me aceita e até sai de casa pra tentar achar uma ruazinha difícil pra caramba.
Sorri em todas as fotos, esgotei minhas piadas, desfilei abraços, toquei em muita gente, ganhei alguns presentes, fiz bem meu papel de “olha que legal, estou aqui, mais um ano se passou e eu continuo achando que vale a pena estar aqui”.
Um a um vão embora, e eu somando a quantidade de amor que vai embora.
Sobram os loucos e suas insônias, sobra o garçom cansado que não agüenta mais os loucos e suas insônias. Sobra uma latinha num canto, seis cadeiras solitárias formando uma rodinha animada, muitas bitucas que insinuam um animado papo que não existe mais. Sobro eu, novamente.
A vida, a noite, as festas, tudo continua igual. O mesmo fedor de cigarro no cabelo, o mesmo homem bonito me olhando de longe, o mesmo homem bonito que, quando chega perto e abre a boca, eu gostaria que tivesse permanecido longe. O mesmo ânimo em pertencer, a mesma alegria em comemorar, a mesma festa em se encontrar. Mas ninguém sabe exatamente ao que pertence, o que comemora e muito menos o que encontra.
Atravesso a rua sozinha, carregando uma sacola cheia de presentes e cartinhas. Entro sozinha no meu carro, ouço de novo a música da semana, sigo em frente. Carrego o afeto que ganhei numa sacolinha rosa, mas dentro do meu coração é sempre esse saco furado e negro.
Por mais que todas as terapias do mundo, todas as auto-ajudas do universo e todos os amigos experientes do planeta me digam que preciso definitivamente não precisar de você, minha alma grita aqui dentro que, por mais feliz que eu seja, a festa é sempre pela metade.
É você quem eu sempre busco com minha gargalhada alta, com a minha perdição humana em festejar porque é preciso festejar, com a minha solidão cansada de se enganar.
Não agüento mais os mesmos papos, os mesmos cheiros, as mesmas gírias, os mesmos erros, a volta por cima, o salto alto, o queixo empinado, o peito projetado pra frente. Não agüento mais fingir com toda a força do mundo que tudo bem festejar sem saber quem é você.
Eu não acredito mais em sumir do país, em trocar de emprego, em mudar de religião, em ficar em silêncio até que tudo se acalme, em dormir até tarde, no fim de tarde na Praia Preta, na nova proposta, no novo projeto, no super livro, no filme genial, na nova galera, na academia moderna, no carinha até que bacana que gosta de jazz e restaurantes charmosos, no curso de história, em comprar o novo CD mais master animado do mundo, em ler John Fante longe de tudo, em ser dondoca, em fazer progressiva, em fazer boxe, em fazer torta de verdura, em ser batalhadora, em ser fashion, em não ser nada. Mas eu continuo acreditando na gente, eu continuo acreditando que tudo sem você é distração e tudo com você é vida.
Como eu queria agora ir para a sua casa, deitar na sua cama, ouvir a sua voz, esquentar meu pé na sua batata da perna. Como eu queria saber seu nome, seu cheiro, sua rua.
Assim como um dia um samba saiu procurando alguém, este texto tem a missão de sair em sua busca. Eu não escrevo por dinheiro, vaidade, pretensão ou inteligência. Eu escrevo porque eu sei que é assim que vou te encontrar. Eu escrevo porque não posso mais agüentar que a festa acabe.
Tati B.
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